sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Uma parada para o canto

Minha avó morava em Bento Ribeiro, no subúrbio do Rio de Janeiro. Ainda era o tempo em que as portas e janelas das casas podiam ficar abertas até altas horas da noite. Os vizinhos se conheciam e passavam os fins de tarde nos portões "olhando as modas", como se dizia.

Uma das vizinhas de minha avó, Dna Neuza, criava um pássaro num viveiro bem grande e arredondado. O canto era estridente e se ouvia de longe, ainda mais naquela rua silenciosa. Parecia uma martelada em uma peça de ferro, uma seguida da outra.

O engraçado é que meu pai tinha um amigo que era soldador. O povo, numa inspiração incrível de criatividade, o chamava de "Solda". O Solda soldava meus velotróis, cujas peças de plástico meu pai insistia em substituir por outras de ferro, "para ficar mais resistente", dizia ele. Meus carrinhos mais pareciam Robocop's, metade plástico, metade ferro.

E, depois da solda, o Solda dava uma martelada na solda para saber se estava seguro mesmo. Dali íamos para a casa da minha avó, na rua de trás. Era só virar a esquina e ouvir aquele canto estridente, igualzinho à martelada do Solda nos meus carrinhos.

A diferença é que o canto era repetido, em intervalos de três segundos, mais ou menos. O bicho cantava durante um tempo e parava. De repente, recomeçava, mas com "marteladas" mais fortes e com intervalos maiores entre uma "martelada" e outra.

Aquela rua inteira se acostumou àquele som. De ponta a ponta, se ouvia diariamente as "marteladas" da Araponga.

Depois do almoço, minha avó e meu pai íam dormir. Eu ía para o quintal e ficava no muro da casa da Dna Neuza, ouvindo o passarinho cantar. Minha avó criava canários, mas eles não cantavam como aquele bicho. O canto da Araponga não era bonito, era marcante. E marcou.

Toda vez que eu ouvia aquele canto, falava pro meu pai: - Estamos chegando à casa da vovó. Era a referência, além da ladeira silenciosa das tardes de minha infância. Mas eu nunca soube que aquele pássaro era uma Araponga. Eu tinha sete anos.

Duas décadas depois, quando voltava da faculdade, ouvi o canto novamente e lembrei-me do passado. Meu pai foi quem me disse que aquele passarinho da Dna Neuza era uma Araponga. Nem precisei imitar o canto para ele saber que falávamos da mesma coisa. Ficou marcado nas nossas memórias.

Dna Neuza se mudou, antes mesmo da morte de minha avó.

O canto que ouvi há pouco tempo atualiza aquela época de uma forma que eu não sei explicar, desperta sensações que eu também não sei como ainda estão vivas na minha cabeça. O certo é que o canto da Araponga me trazia tranquilidade, paz, segurança e boas referências, aspectos que a vida nem sempre nos oferece.

Não sei que fim levou aquele canto de minha infância, só sei que ele continua ecoando no meu subconsciente como forma de dar intervalos à rotina ensurdecedora do cotidiano.

Viva a Araponga!!! rsrsrs